O que vale mais: Retorno a longo prazo ou dinheiro na mão? Distribuição de lucros ou reinvestimento? A “alma do negócio” ou a lucratividade?
A resposta não é tão simples, porque depende.
Na maioria das vezes, o interesse individual e imediato dos acionistas não é o mesmo dos diretores que, em tese, têm o melhor interesse social em mente.
A Suprema Corte de Michigan se deparou com esse conflito de interesses no emblemático caso Dodge v. Ford Motor Co., 170 N.W. 668 (Mich. 1919), sopesando duas regras importantíssimas do direito norte-americano.
A Ford Motors Co. (“Ford”) foi criada em 1903 com um investimento inicial de $150,000. Henry Ford era o acionista majoritário e os irmãos Horace E. Dodge e John F. Dodge (“irmãos Dodge”) estavam entre os acionistas minoritários.
Em 1908, o investimento inicial já correspondia a $2 milhões.
O automóvel, vendido inicialmente a $900, em 1916 já estava aprimorado e o preço baixado a $440. Em agosto do mesmo ano, reduzido a $360.
Desde 1911, a média de dividendos distribuídos aos acionistas era $1.2 milhão. Os lucros acumulados da empresa no fim do ano fiscal de 1916 eram de $174 milhões e a empresa tinha $50 milhões em caixa.
Em 1916, Henry Ford – sócio majoritário, detentor 58% das ações e membro da Diretoria – anunciou que não pagaria mais dividendos especiais aos acionistas e que o lucro a partir de então seria reinvestido na empresa, destinado em parte à construção de uma usina de metal pra que a empresa suprisse sua própria demanda por estruturas metálicas e à redução do preço dos carros, tornando-os acessíveis a um número maior de pessoas.
Quando o corte dos dividendos especiais foi anunciado, os irmãos Dodge – que em 1913 fundaram uma empresa automobilística concorrente – ofereceram suas quotas a Henry Ford por $35 milhões, mas Ford se recusou a adquiri-las “por este ou por qualquer outro preço”.
Os irmãos Dodge então processaram Ford, insurgindo-se contra a nova política de dividendos e contra a proposta de expansão do parque industrial. Segundo os irmãos, a política de Ford era contrária ao melhor interesse da empresa e dos acionistas e a decisão de não distribuir dividendos era arbitrária e, por isso, demandaria intervenção judicial.
A ação movida pelos irmãos Dodge confrontou duas regras muito importantes e zeladas pela common law norte-americada: a Business Judgement Rule e a Shareholder Primary Rule.
A Business Judgement Rule (Hunter v. Roberts, Throp & Co., 83 Mich 63, 71, 47 N.W. 131, 134) estabelece que o Poder Judiciário não pode, nem deve intervir em decisões tomadas pelos diretores/administradores de empresas, salvo quando houver indício de fraude ou apropriação indébita de recursos sociais.
A regra considera que a decisão de um diretor que deixa de distribuir lucros e dividendos quando a empresa tem caixa para fazê-lo sem prejuízo dos negócios se qualifica como arbitrária, rompendo com o dever de boa-fé e com a confiança que lhe é depositada pelos acionistas.
Por outro lado, a regra defende que meros erros de julgamento dos diretores quanto à condução dos negócios ou escolha de estratégias negociais, ainda que configurem negligência, não autorizam a intervenção judicial, porque aos diretores é confiada a discricionariedade no exercício da administração (Leslie v. Lorillard, 110 N.Y. 519, 532, 18 N.E, 363, 365).
Na época em que o caso Dodge v. Ford foi ajuizado, a Ford vivia tempos dourados. A empresa fabricava mais de 500.000 carros por ano, tinha quase $250 milhões em bens e cerca de $54 milhões em caixa.
Dois interesses estavam em jogo: o dos acionistas que investiram no negócio e buscavam o máximo retorno a curto prazo e, de outro lado, a proposta de Henry Ford de expansão do negócio a longo prazo, reduzindo o preço dos carros pra que cada vez mais pessoas tivessem acesso aos veículos, aumentando a qualidade dos automóveis e expandindo o parque industrial.
A Suprema Corte de Michigan, considerando que a decisão de Henry Ford ia contra o interesse dos credores e diminuía imediatamente o valor das cotas de cada um determinou a distribuição de dividendos no valor de $19.3 milhões.
A Corte consagrou a Shareholder Primacy Rule, consignando que uma empresa tem como objetivo primordial a geração de lucros aos acionistas e que a discricionariedade dos Diretores tem que estar voltada pra esse fim. Decisões que não atendam primordialmente ao interesse dos acionistas e estejam voltadas a outros propósitos não devem prevalecer.
No entanto, pela aplicação da Business Judgment Rule a Corte não interferiu na decisão de expandir o complexo industrial, consignando que os juízes não são business expert e que decisões empresariais são pensadas para um futuro remoto, considerando muitos fatores que estão além da experiência judicial e que, nesse caso, mereciam ser respeitadas.
Especula-se que alguns fatores externos à discussão judicial tenham sido considerados na decisão. Especula-se, por exemplo, que um dos motivos de Ford ter se negado a comprar as quotas dos irmãos Dodge seria pra não contemplá-los com um grande investimento que certamente seria canalizado na empresa concorrente, o que teria sido considerado pelo tribunal como uma prática anti concorrencial.
Por outro lado, o sucesso empresarial e a política econômica extremamente próspera de Henry Ford teriam sido considerados pela Corte ao não intervir na decisão de expansão do complexo industrial, mesmo com oposição dos acionistas.
Tanto pelas considerações acerca do intervencionismo mínimo do Poder Judiciário nas decisões empresariais, quanto pela perseguição do lucro como objetivo principal dos Diretores, o caso representou um marco no direito empresarial e é precedente observado até hoje pelas cortes norte-americanas.